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DIREITOS E CIDADANIA
DIREITOS E CIDADANIA

 

 

2 A CIDADANIA NO BRASIL:

Discutir cidadania, direitos civis e políticos, e descrever a história da evolução política brasileira não é um tema fácil, todavia é sim um tema de extrema importância. Podemos definir os direitos civis como a proteção e os privilégios de poder pessoal dados a todos os cidadãos por lei, direitos que são estabelecidos pelo Estado aos seus cidadãos. Direitos civis incluem situações reconhecidas juridicamente sem as quais o homem é incapaz de alcançar sua própria realização e desenvolvimento, consistindo o resultado da luta dos homens por um direito ideal, justo e humano como: os direitos de liberdade, como por exemplo, a liberdade de consciência, de propriedade, de manifestação do pensamento e associação. Os direitos de participação política, tais como a igualdade de sufrágio, o direito de voto e de elegibilidade. Os direitos de participação política, os direitos sociais, que abrangem os direitos de natureza econômica, como por exemplo, o direito ao trabalho, de assistência à saúde e à educação. Os direitos chamados de quarta geração, por exemplo, o direito à preservação do meio ambiente e à qualidade de vida. O direito à privacidade, o direito ao protesto pacífico, o direito à investigação e julgamento justos em caso de suspeição de crime e direitos constitucionais mais generalistas, como o direito ao voto, o direito à liberdade pessoal, o direito à liberdade de ir e vir e o direito à proteção igualitária.
Ao passo que as civilizações emergiram e formalizaram através de constituições escritas, alguns dos direitos civis mais importantes foram passados aos cidadãos. Mais tarde, quando esses direitos se descobriram inadedequados, movimentos de direitos civis surgiram como veículo de exigência de proteção igualitária para todos os cidadãos e defesa de novas leis para restringir o efeito de discriminações presentes.
Entretanto, há uma diferença de natureza tanto entre os direitos civis e os direitos sociais, por um lado, e os direitos políticos, por outro. Como é evidente, nenhum desses direitos foi obtido sem lutas sociais nem é usufruído, na prática, de forma idêntica por todos os membros de uma mesma sociedade. Contudo, nos Estados onde os direitos civis e sociais vigoram constitucionalmente, os cidadãos não podem exercê-los de forma ativa e, caso sejam discriminados, têm o direito adicional de recorrer às instâncias judiciais. O mesmo não sucede com os direitos políticos propriamente ditos, ou seja, a liberdade de expressão e de associação, bem como o direito de eleger e ser eleito para todos os cargos representativos.
Os cidadãos podem usufruir desses direitos constitucionais sem os exercerem plenamente. Ao contrário dos direitos cívicos e sociais, os atributos da cidadania política nunca são automáticos, mas sim algo que tem de ser exercido individualmente de forma ativa. No Brasil, segmentos relevantes da população assalariada urbana acederam precocemente a um pacote significativo de direitos sociais, por assim dizer, em troca dos direitos políticos confiscados pelo regime de Vargas. Resta saber se essa política de bem-estar é legítima, isto é, não considerada como paternalista e se a "cidadania regulada" pode ser equiparada à cidadania política, desde logo porque a regulação dessa cidadania se fez privando-a do exercício dos direitos políticos básicos.
Ao longo da história de evolução da cidadania política e aquisição dos direitos civis e políticos pelo povo brasileiro, podemos, preliminarmente, definir como verdadeira a concepção de "cidadania política" como um conjunto dos direitos políticos de que goza um indivíduo e que lhe permitem intervir na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua administração, seja ao votar (direto), seja ao concorrer a cargo público (indireto). A cidadania política é o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. Designa a participação do povo no exercício do poder político, no direito de escolher seus representantes. O exercício implica de um lado a existência de um processo eleitoral autêntico e por outro de governantes que de fato governem, o que supõe a presença de um Parlamento forte na tomada das decisões nacionais.
No Brasil a cidadania política contemporânea se reduz a uma influência periférica e marginal sobre os agentes tomadores das macro-decisões políticas e esta influência ser assim já que o poder de decisão ainda está concentrado nas mãos da elite política. Assim, o exercício da cidadania política pelas massas é praticamente impossível de sofrer revolução.
O desenvolvimento das forças produtivas numa formação social capitalista acirra os conflitos políticos no seio das classes dominantes, e estes conflitos abrem espaço para a luta popular pela instauração e para a ampliação da cidadania política. As lutas populares pela conquista de direitos políticos exercem influencia sobre o andamento do capitalismo e seu desenvolvimento.
Conquistado a duras penas por trabalhadores, estes direitos que são desigualmente distribuídos entre as classes, produzem um efeito ideológico de cidadania, como por exemplo, o direito ao voto. Liberdades civis apresentam um aspecto que o trabalhador pode exercer influência nas macro-decisões já que podem votar e escolher seu representante. As formações sociais capitalistas podem ser ilusórias caso fiquem no papel e não sejam concretizadas. A dinâmica política que envolve o Estado capitalista e as classes trabalhadoras contempla uma fase em que o aparelho de Estado, sob a pressão popular, declara novos direitos (civis ou políticos).
Com o passar das décadas a cidadania política foi alcançada e foi-se evoluindo cada vez mais. Entretanto, para que hoje, pudéssemos alcançar este ?status? e estes direitos civis e políticos que temos hoje, muitos trabalhadores, guerrilheiros e intelectuais sofreram lutando contra os regimes e governos que lideraram o país ao longo dos anos. Em uma retrospectiva podemos afirmar que a conquista da cidadania pelos brasileiros sofreu variações em quatro etapas de sua história.
A primeira República (1888-1891) foi o início desta busca pela cidadania que através dos anos foi suspensa e caçada. Vários fatores exemplificam isso como o voto de homem adulto e a interdição do voto de analfabeto. De um lado um projeto radical de cidadania política defendido pelos liberal-democráticos da classe média e do outro lado a classe burguesa mercantil-exportadora em busca da hegemonia política no seio das classes dominantes. Ambas controlavam o direito ao voto do campesinato. A ausência de uma justiça eleitoral independente e profissional, na República recém-instaurada foi expressão da derrota política da classe media liberal-democrática portadora de ideais igualitários. A classe dominante controlou o voto da população rural, manipulação por parte dos coronéis, viável devido a falta de um plano constitucional e do voto secreto e as constantes lutas pelo voto da mulher até a última metade da década de 20.
A Era Vargas, período compreendido de 1930 a 1945, foi caracterizado por práticas que pretenderam limitar o exercício da cidadania no país. Durante a maior parte desse período, o regime foi ditatorial. O "governo provisório" (1930-34) deu-se com o fechamento do Congresso Nacional e a intervenção nos Estados. Apesar de haver uma simpatia de grande parte das camadas urbanas pelo movimento tenentista e por muitos de seus representantes que chegavam ao poder com Vargas, os primeiros meses do novo governo foram de desilusão, principalmente porque a política adotada por Vargas e seus interventores foi marcada pela conciliação com a maior parte dos coronéis.
O principal movimento de contestação à política centralizadora de Vargas eclodiu em São Paulo. A Revolução Constitucionalista que foi um exemplo de movimento que envolve a cidadania: o povo paulista foi "manobrado" pelas elites até então inimigas que se aliaram e comandaram o povo na luta contra o governo federal.
O Governo constitucional (1934-37) foi marcado pela conquista de direitos políticos e de liberdade, tendo o nível de organização social e de participação se tornado maior. A imprensa destaca-se e parte dela assume uma posição crítica ante o governo. Surgem importantes grupos de oposição, apesar das liberdades, o governo Vargas determinou limites à cidadania, como o controle sobre o Congresso Nacional e a edição da Lei de Segurança Nacional. O Estado Novo (1937-45) foi uma ditadura e eliminou os direitos políticos e individuais e impôs ao país forte repressão. O governo adotou instrumentos importantes que atuavam como uma polícia política, encarregada de controlar movimentos de transformação da ordem social vigente.
O segundo estágio, o período entre 1945 e 1964 foi caracterizado pela reorganização das leis que foram respeitadas e as liberdades individuais, garantidas, salvo algumas exceções. Durante esse período, uma parcela significativa dos trabalhadores organizou-se de forma independente, enfraquecendo o "peleguismo", e formaram-se, em alguns Estados do Nordeste, as Ligas Camponesas, num processo de organização que, apesar de reunir ainda setores minoritários do campesinato, já apresentava certo grau de politização. A crise do populismo foi responsável pela polarização política, não ideológica, entre aqueles que defendiam uma política popular e nacionalista e aqueles que defendiam a abertura do mercado e uma maior aproximação com a política externa dos EUA.
O terceiro estágio foi a Ditadura Militar de 1964 a 1983, responsável pela eliminação da cidadania. É interessante perceber que o modelo político adotado pelos governos militares tentou disfarçar o autoritarismo por meio da manutenção de eleições para o Legislativo e para o Executivo da maioria dos municípios, além de permitir a existência de um partido de oposição. Ao mesmo tempo, líderes políticos e sindicais foram cassados, presos ou exilados, a imprensa foi censurada e as principais diretrizes do governo foram impostas pelos atos institucionais. Os governos militares inovaram e apostaram não apenas na repressão mas também em um processo de alienação social, que se deu por meio da propaganda direta ou subliminar, caracterizada pelo ufanismo nacionalista, do sucateamento da educação, da qual foi tirada a possibilidade de formação consciente e crítica, e do controle sobre os meios de comunicação de massa, em especial a televisão.
No período recente e especialmente desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 até os dias atuais a configuração da cidadania política no Brasil tem sido um dos temas preferenciais de estudiosos constitucionalistas. O importante é que desde estes tempos o interesse da população, de todas as classes sociais, só tem aumentado, o povo não aceita mais ser conduzido cegamente. O fato de que os movimentos sociais populares criam novas formas de produzir, de conviver e de se educar, nesse processo, gestam novos conceitos cujos conteúdos, marcados pelas práticas de cooperação e solidariedade, parecem projetar a emancipação social em sentido mais amplo do que o proposto pelos princípios formais de liberdade e igualdade em que se assenta a sociedade. Assim, os movimentos sociais populares ampliam também o horizonte da educação para além da cidadania.
O avanço da cidadania é referência a uma prática conflitiva vinculada ao poder, que reflete as lutas acerca de quem pode dizer o que no processo de definir quais são os problemas comuns e como serão abordados e, nesse sentido, tanto a cidadania como os direitos estão sempre em processo de construção e mudança. O princípio básico sobre o qual se assenta a nova cidadania é o direito a ter direitos e a democracia transforma-se numa invenção constante de direitos. Isso porque sempre haverá novos direitos a serem conquistados.

CONCLUSÃO

A construção da nova cidadania não é um processo desprovido de tensões. Pelo contrário, a construção da nova cidadania é permeada por múltiplas e constantes tensões: a tensão entre direitos individuais e coletivos, entre o princípio da igualdade e o direito à diferença, entre direitos universais e uma perspectiva que parta dos sistemas de relações sociais, entre o princípio de uma justiça cega e a personalização do impulso moral e do afeto e a tensão entre o universalismo e o pluralismo. O reconhecimento dessas tensões sugere que não existe uma única maneira de resolver essas contradições e tensões básicas que permeiam o conjunto das relações sociais. Reconhecer a historicidade das demandas sociais significa reconhecer que não existem verdades absolutas e a busca de verdades parciais implica num diálogo permanente dentro do espaço público. Essa postura exige criatividade e tolerância. Nesse contexto, considera-se fundamental a reconciliação entre participação e representação para o aperfeiçoamento da democracia enquanto regime e para a democratização da sociedade, principalmente quando se pensa na situação do Brasil atual. Apesar das mazelas da representação política no Brasil, não é o caso de descartá-la, mas de melhorar as instituições, desenvolvendo mecanismos de controle democrático dos cidadãos sobre os seus representantes.